Um dos únicos estados fora do 'mapa do CV', RS teve pior prisão do país e grupo criminoso inspirado na facção carioca
07/11/2025
(Foto: Reprodução) Entenda por que o RS é um dos únicos estados do Brasil sem atuação do Comando Vermelho
Um dos únicos estados brasileiros em que o Comando Vermelho (CV) não está presente, o Rio Grande do Sul teve uma organização criminosa inspirada na facção carioca, na década de 1980. Ao contrário do CV, atuante no tráfico de drogas, a Falange Gaúcha era formada, em sua maioria, por assaltantes.
➡️ Além do RS, o Comando Vermelho só não mantém células em penitenciárias de São Paulo e Distrito Federal. Os dados são da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
O antigo Presídio Central de Porto Alegre, a maior unidade prisional do estado, foi embrião para o nascimento do crime organizado no RS. Durante a CPI do Sistema Carcerário de 2008, o local foi considerado a pior cadeia do país. Também foi classificado pela Organização dos Estados Americanos (OEA) como um dos piores da América Latina.
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Construído na década de 1950, o presídio enfrentou uma série de deficiências estruturais ao longo dos anos. Entre elas, um esgoto a céu aberto e superlotação. Também havia desigualdade entre os presos, a partir do controle das galerias, feito pelas facções.
"O preço do metro quadrado no Central era mais caro que na Faria Lima", compara o juiz de Direito Sidinei Brzuska, com mais de duas décadas na Vara de Execuções Criminais (VEC) de Porto Alegre.
Rebatizada como Cadeia Pública de Porto Alegre, o presídio da capital foi reinaugurado em setembro deste ano. Foram três anos de obras e cerca de R$ 139 milhões investidos.
O aparecimento da Falange Gaúcha se dá após um pacto firmado por detentos envolvidos em um motim de 1987, um dos maiores da história do estado. A organização criminosa tinha duas frentes principais: investimento em fuga de presos e a criação de uma espécie de fundo para financiar eventuais ações ilícitas e melhorar as condições de vida dos aliados.
"O sistema prisional tem uma participação muito grande e decisiva. As principais facções do Brasil foram criadas no sistema prisional", afirma o jornalista e autor do livro 'Falange Gaúcha — O Presídio Central e a história do crime organizado', Renato Dornelles.
Um racha no grupo deu início a outras duas organizações criminosas: uma formada por traficantes dos morros Maria da Conceição e da Cruz, em Porto Alegre, e outra a partir do chefe de um dos pavilhões do presídio.
Na sequência, a Falange acabou dando origem a uma facção hoje baseada na Região Metropolitana. Especialistas apontam semelhanças no modo de atuação e estrutura do Primeiro Comando da Capital (PCC), em especial a capacidade de infiltração em diferentes segmentos formais.
O grupo que reunia os traficantes dissidentes da Falange se ramificou e surgiram dois outros bandos, com atuação em Porto Alegre e marcados pela violência de seus integrantes. Conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o RS chegou a registrar a maior quantidade de facções em uma unidade federativa.
"Cada facção ocupa nichos específicos [bairros, presídios, municípios] e constrói redes próprias de proteção e financiamento. Isso garante autonomia, mas também eleva o nível de conflito, o que explica o aumento de homicídios em determinados períodos", explica o professor da Escola de Direito da PUCRS Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo.
Mapa do Comando Vermelho no Brasil
Reprodução/Fantástico
Mas, afinal, por que não tem CV no RS?
O primeiro ponto da explicação está relacionado ao ecossistema criminal próprio do Rio Grande do Sul, que se organizou antes da expansão nacional do Comando Vermelho.
"Marcado por facções locais consolidadas, com forte enraizamento territorial e controle de cadeias de abastecimento ilícitas, sobretudo o tráfico regional e o contrabando na fronteira com o Uruguai e a Argentina", diz o professor Azevedo.
Outro fator que contribuiu para barrar o avanço do Comando Vermelho é o alto número de facções com atuação no estado gaúcho. A fragmentação de grupos locais cria um obstáculo ao ingresso e hegemonia de uma organização nacional.
Por fim, a chamada identidade cultural, como observa Dornelles: "A dificuldade do CV em entrar no sistema penitenciário gaúcho tem muito disso. É uma espécie de pacto informal das facções daqui, para nenhuma ceder espaço para facção de fora. Também é uma questão cultural".
Negócios à parte
O diretor do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke, ressalta que, embora não haja bandeira fincada do Comando Vermelho no Rio Grande do Sul, isso não impede alianças com as organizações locais.
"Especialmente no fornecimento de droga. Prova disso foi a aceleração da guerra em 2016 e 2017, quando a gente teve o que eu tenho chamado de 'guerra civil nacional', entre os dois grupos [Comando Vermelho e PCC], e houve uma disparada também aqui no estado", diz Kopittke.
Azevedo reforça que a relação tem viés comercial e não de subordinação organizacional. O professor observa que há "interações pontuais em rotas de distribuição ou compras de grandes cargas, mas sem que isso se converta em expansão territorial".
"Há diálogo e negócio, mas não incorporação simbólica nem comando centralizado, o que distingue o RS de estados em que o CV ou o PCC se tornaram 'matrizes' das dinâmicas locais", esclarece.
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Expansão lá, interiorização cá
Na contramão do CV, que busca expansão interestadual, os grupos criminosos do RS tendem à interiorização, consolidando-se em cidades médias e do entorno da Região Metropolitana de Porto Alegre.
Rodrigo Azevedo afirma que a estratégia reduz a exposição e aproveita o crescimento do consumo local e das rotas que ligam o estado a outras regiões.
"É uma forma de controle capilar e territorializada, mais voltada à sustentabilidade dos negócios ilícitos do que à conquista simbólica de 'bandeiras' nacionais", sustenta.
Renato Dornelles relembra que houve tentativas de organizações criminosas do RS se expandirem para Santa Catarina: "Os espaços ficaram mais difíceis de ser disputados diante da chegada do PCC, e também há lá uma facção forte local".
A Secretaria da Segurança Pública do RS informou que o estado é "notabilizado por características socioculturais muito peculiares" e que "está distante do centro do país e de suas principais rotas logísticas".
"Esses dois fatores socioculturais e geopolíticos se somam a ação vigilante e contundente dos órgãos de segurança pública gaúchos", alega a pasta.
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Nota da Secretaria de Segurança Pública do RS
"O Rio Grande do Sul é um estado notabilizado por características socioculturais muito peculiares. Igualmente, está distante do centro do país e de suas principais rotas logísticas de bens e serviços que, por óbvio, são utilizadas também por narcotraficantes.
Esses dois fatores socioculturais e geopolíticos se somam a ação vigilante e contundente dos órgãos de segurança pública gaúchos para sinalizar as prováveis causas para a ausência de organizações criminosas como o CV e o PCC em nosso estado.
Ainda assim, é importante sinalizar que a busca de uma inferência causal para a não ocorrência de um dado fenômeno é tarefa especialmente difícil e recomenda a permanente apreciação do cenário posto de modo que possamos manter o RS na vanguarda da segurança pública brasileira."
Megaoperação contra o Comando Vermelho, realizada em outubro de 2025
Mauro Pimentel/AFP
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