'Não caiu a ficha', diz funcionária que trabalhava há 15 anos em calçadista do RS que anunciou falência após tarifaço dos EUA
17/09/2025
(Foto: Reprodução) Mais de um mês após Tarifaço, setores avaliam impactos concretos
Após o anúncio de autofalência da fabricante de calçados Mulher Sofisticada, em Três Coroas, 77 funcionários foram desligados na manhã de segunda-feira (15). Entre eles está Mayara de Oliveira, auxiliar de produção há 15 anos na empresa, e o marido.
A decisão foi motivada por dívidas superiores a R$ 18,3 milhões e pela perda de clientes após o aumento das tarifas de importação nos Estados Unidos.
“Pra mim não caiu a ficha. Dormir sabendo que tu tinha um emprego garantido e, simplesmente, no outro dia tu não tem mais, é bem complicado”, desabafa.
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O chamado “tarifaço”, anunciado em agosto, afetou diretamente a operação da calçadista, que dependia do mercado externo.
💲 As tarifas sobre importações, anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, começaram a valer no início de agosto. Com elas, o país passou a cobrar os maiores impostos médios sobre produtos estrangeiros em mais de cem anos, afetando dezenas de nações.
Conforme o advogado e sócio do escritório que conduz o processo de falência, Silvio Luciano Santos, "se não tivesse ocorrido o tarifaço, provavelmente a empresa continuaria em atividade".
"Nós estávamos remodelando esta atividade e, certamente, a empresa teria mais condições de seu erguimento", diz Santos.
De acordo com o escritório MSC Advogados, houve tentativa de renegociação das dívidas, mas sem sucesso.
A Federação das Indústrias informa que os impactos do aumento das tarifas já começam a aparecer nos números. No mês passado, as exportações da indústria gaúcha para os Estados Unidos registraram queda de 19%.
Apesar de o setor calçadista ter apresentado crescimento em relação a agosto do ano anterior, esse avanço se refere a encomendas feitas antes da mudança nas regras de importação.
Comunicado aos funcionários
Mayara de Oliveira com os colegas da calçadista Mulher Sofisticada
Arquivo pessoal
A segunda-feira começou como qualquer outra para Mayara: levar a filha à creche e seguir para o trabalho. No entanto, ao chegar à fábrica, ela e os colegas foram recebidos com o comunicado oficial do encerramento.
“Eles falaram que tentaram ser o mais transparentes possível, que tentaram o máximo que podiam para segurar todos nós, funcionários, e não conseguiram, que não tinha mais como tocar para frente o negócio", conta.
Ela relata que o clima foi de comoção. Segundo Mayara, o vínculo entre os trabalhadores ia além do profissional.
“Todo mundo chorou no final, todo mundo se abraçou, porque todo mundo era muito amigo. Foi bem triste", comenta.
Funcionária desde o início da operação da Mulher Sofisticada, ela conta que já havia percebido sinais de que algo não ia bem: “Dá pra ver que estava diminuindo os clientes, a produção estava diminuindo", diz.
Agora, a família está sem renda. As rescisões trabalhistas estão previstas para ocorrer nesta quarta-feira (17), com liberação de FGTS e seguro-desemprego.
Apesar do choque, Mayara e os demais ex-funcionários correm atrás de novas oportunidades. O sindicato local afirma que há empresas interessadas em contratar os trabalhadores desligados.
“Estamos bem abalados. Estava torcendo que se mantivesse em pé”, conclui Mayara.
Fabricante de calçados Mulher Sofisticada
Divulgação/ Critério
História da Mulher Sofisticada
Segundo o MSC Advogados, a calçadista Mulher Sofisticada, fundada em 2012, enfrentou uma série de dificuldades ao longo dos últimos anos. A empresa, que chegou a produzir 3,7 mil pares de calçados femininos por dia para grandes marcas nacionais, operava com cerca de 1,5 mil pares diários nos últimos dias antes do encerramento das atividades.
Veja os principais marcos da crise:
2018: Um dos principais clientes da empresa deixou de efetuar pagamentos, dando início ao desequilíbrio financeiro;
2020: Com a pandemia de covid-19, a fábrica passou a operar com apenas 50% da capacidade, o que comprometeu ainda mais a saúde financeira do negócio;
2022: Dois dos principais clientes da calçadista faliram, deixando os compromissos e ampliando o passivo da empresa;
2024: As enchentes no Rio Grande do Sul afetaram diretamente a operação da fábrica, agravando os prejuízos;
2025: O tarifaço imposto pelo governo dos Estados Unidos resultou na perda de clientes importantes, contribuindo para a decisão de pedir autofalência.
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